quarta-feira, 17 de outubro de 2012

O Meu Pai

Em novembro de 1997 e eu recebi uma noticia que iria mudar a minha vida por completo. O meu pai... tinha... falecido.
Há alguns anos que a sua saúde se vinha deteriorando mas ele nunca foi homem para se preocupar com isso.
O meu pai era um homem austero, típico chefe de família, que saia de manhã cedo para trabalhar e chegava tarde da noite já cansado.
Enquanto criança lembro-me vagamente de poucas demonstrações de afeto, não sei se pelo facto de ser criança e a memoria não me ajudar ou pelo facto de não terem existido assim tanto.
No inicio da minha adolescencia o nosso convívio foi pouco, culpa da minha idade, em que eu tinha a minha preocupação virada para o meu próprio umbigo.
Os anos passaram assim.
Lembro-me sim de quando começou a adoecer, da minha mãe o acompanhar as consultas, aos médicos, do sofrimento dela em não conseguir fazê-lo lutar pela vida, mas ele não queria lutar e ninguem podia fazê-lo por ele.
Quando somos adolescentes nunca acreditamos que pai ou mãe sejam capazes de morrer.
Quando somos adolescentes pensamos que os nossos pais são eternos e apesar de ver e ter a noção que a vida do meu pai estava a apagar-se a cada dia nunca acreditei que ele fosse desaparecer.
No dia em que ele faleceu ( estava internado no hospital há varias semanas) eu zanguei-me... zanguei-me com ele por ele ter morrido.
A ultima imagem que eu guardei dele é fria e sinistra, lembrança de vê-lo deitado e vestido de forma arranjada numa sala branca e gélida da morgue. Lembrança de lhe dar um beijo sem que ele mo devolvesse.
Essa memória assombrou-me durante anos.
Como podia ele ter-me feito isso? Como é que ele tinha sido capaz de desistir da vida assim tão facilmente? Porquê ele não tinha procurado a cura no inicio da doença?
Zanguei-me, zanguei-me... e essa revolta cresceu dentro de mim durante anos. Uma revolta calada mas presente.
O meu pai que não me deu raspanetes por chegar tarde a casa quando comecei a sair a noite. O meu pai que não me chamou de maçarica quando tirei a carta. O meu pai que não me viu a tornar-me numa mulher e começar a namorar. O meu pai que não me acompanhou de braço dado ao altar no dia que do meu casamento.
Esses anos todos... nunca fui ao cemitério sequer ver a campa dele. Nunca fui a nenhuma missa que a minha mãe mandou rezar pela alma. Nunca, porque eu continuava zangada mas tão zangada com ele.
Esse domingo passado no fim da missa o padre anunciou o dia de rezar pelos defuntos.
Começou a dizer os nomes das pessoas pelas quais ia rezar e eu ouvi o nome do meu pai. O nome completo... Pela primeira vez... em vários anos.... eu ouvi "alguém" dizer O Nome  completo do meu pai... e deu-me um baque no peito.
E nesse dia fui para casa, sem que ninguém visse ou ouvisse... chorei! Chorei sufocada, um choro que há anos vivia reprimido. Nem no dia do funeral consegui verter lágrimas de tão zangada que eu estava. E chorei tudo, lavei o peito, libertei o rancor, e 15 anos depois fui a primeira missa rezada pelo Meu Pai.
Cheguei a igreja e o meu coração batalhava, não sei se por ter saido do serviço a correr ou pela ansiedade. Já toda a gente estava dentro da igreja e as portas estavam encostadas. Tenho a sensação de que toda a gente ficou a olhar para mim. Entrei e quando a minha mãe me viu ficou branca com aquela cara de espanto. Só consegui olhar para a minha mãe. Os meus olhos só se preocuparam em tentar ver onde estava a minha mãe... o  meu porto seguro.. E ela deu-me a mão e no fim disse me que sentiu que eu estava ofegante de coração a batalhar. Disse me o quanto ficou surpresa por me ver chegar, disse-me que reparou que eu não levantei os olhos do chão nem por uma fraçao de segundos e a seguir fomos embora caladas.
Quando cheguei em casa foi como se eu estivesse a ser completamente transportada para outro mundo. Os meus filhos estavam numa alegria tremenda, a alegria e agitação do costumo enquanto eu estava que mal conseguia falar.
Os meus filhos... que tudo são para mim... pelos quais eu luto todos os dias e por eles... eu penso e não entendo como pode pai ou mãe desistir de lutar nem que seja pelos filhos.
E agora... que estão deitados e eu estive a tentar processar tudo na minha cabeça acho que 15 anos depois finalmente .... deixei de me sentir zangada... tenho apenas saudades de um abraço e carinho do Meu Pai.

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